sábado, 17 de novembro de 2007

Meu mundo em uma folha em branco

Pra quem não sabe, eu sou desenhista. Tento ser, melhor dizendo. Ainda tenho muito o que aprender, mas essa é a parte mais gratificante do trabalho: sempre estar aprendendo mais. Diferente dos meus irmãos, não costumava desenhar na infância. Eu estava ocupada demais vendo Bozo (isso que é denunciar a idade!), brincando com minhas Barbies ou tossindo em meio as minhas crises de bronquite. Eu gostava mais de escrever histórias (como a do menino que fugiu de Marselha em um navio cargueiro ou da família do arqueólogo que se perdia no Egito... eu curtia um atlas geográfico, não?), e como ser a "desenhista da família" era o papel da minha irmã, eu me ocupava com outras coisas.

Só quando eu vi ao animê Cavaleiros do Zodíaco, na saudosa Rede Manchete, que decidi começar a desenhar com vontade sincera. Foi amor à primeira vista. Bem verdade que o Shiryu foi um dos grandes culpados por tanta devoção! Foi impossível resistir aquela cabeleira preta, como a asa da graúna (não seria difícil prever que eu me tornaria uma obcecada por bishounens)...
Passei a me dedicar ao desenho e ao mangá como estilo. Passava horas sentada ouvindo trilhas de animês e desenhando meus personagens. Ainda conhecia muito pouco sobre o gigante universo dos quadrinhos japoneses, ainda não tinha internet em casa e só podia contar com revistinhas informativas. Hoje, olhando essas mesmas revistas velhas, me espanto com tanta ingenuidade. As matérias eram pobres em conteúdo e revistas como a Animax, comandadas por Peixoto e Zé Roberto, eram ricas em imagens hentai e textos grosseiros. Mas era a única coisa que tínhamos na época.

Desenhar tinha se tornado mais que um hobby, era algo que me fazia sentir especial, viva! Agora eu tinha um propósito, uma meta, um sonho. Parece uma coisa tão simples e corriqueira, mas fez toda a diferença na minha vida.

Minha irmã e eu resolvemos fazer um zine, o Beeswax. Minha história se chamava "Hot Witchcraft" e contava as desventuras do demônio Beiron em busca de seus poderes perdidos. A história foi muito bem recebida e até hoje me reconhecem por ela. Foi um período lindo e que gerou frutos nos anos seguintes: 3 edições do zine Mr. Jinx, uma história na revista Tsunami e uma edição da Talentos do Mangá. Após meu último zine, o Mr. Jinx 3, deixei a vida de fanzineira, pelo menos por enquanto, por falta de dinheiro. Deixei meus fãs órfãos de Beiron, Mateus & Cia, mas realmente não tinha como continuar. O lado financeiro pesou e muito, mas acredito que o lado artístico também foi um fator determinante. Eu queria lágrimas e flores. Eu queria fazer shoujo!!

Como o shoujo entrou na minha vida, bem, com Sailor Moon, claro. Mas eu realmente me rendi após conhecer um mangá de nome Mars. Em meados de 97/98, os parentes de uma amiga de infância trouxeram para mim, direto do Japão, 3 revistas: Nakayoshi, Shonen Jump (pra minha irmã, pois eu sempre a incluía nesses lances) e Betsufure. A Betsufure foi um choque. A capa vermelha, com um desenho lindo do Mars me encantou e eu adorei os desenhos desse mangá. Anos depois, quando fiquei doente seriamente, retornando à casa dos meus pais, procurei sobre Mars na internet e não me lembro que desejar tanto alguma outra coisa, como eu desejei poder ler, ter e desenhar como o mangá de Fuyumi Soryo. Me senti em casa e me entreguei de vez ao shoujo mangá.

Hoje, tento melhorar a cada dia e vencer os obstáculos da profissão de desenhista. Você deve estar pensando: "Coitada, arte no Brasil é mesmo complicado". Realmente, mas eu me refiro à outras pedras no caminho...
A maior delas é a insegurança. Eu tive que lidar com ela desde sempre, desde os tempos de Cavaleiros do Zodíaco. Era muito difícil lidar com a minha irmã. A sua simples existência era um desafio. Ela sempre desenhou melhor do que eu. Não uma coisa tipo Akira Toriyama e Yoshihiro Togashi, mas uma coisa tipo Takeshi Obata e Masami Kurumada com dengue hemorrágica. Competir com isso era muito difícil pra mim. Meus irmãos me apoiavam, mas isso não significaria nada se eu mesma não acreditasse em mim. E eu, mesmo me sentindo meio pra trás, não conseguia desistir. Um caso que ilustra bem essa história, foi quando, ainda no começo da febre, minha irmã e eu íamos nos encontros da nunca-existente-mas-inesquecível Abrademi-Rio, um reduto de fãs cariocas e desenhistas iniciantes. No meio desse pessoal, se destacava um grupinho de desenhistas, com direito a fanzine #0. A líder chegou a convidar minha irmã para integrar o time, mas a mim não. Elas não tinham como saber, mas eu era alucinada para fazer parte de um grupo de desenhistas! Eu era meio Van Gogh, sei lá, queria companhia, poder trocar idéias e ter amigos tão fãs de mangá quanto eu (eu ainda acalento esse sonho, mas acredito que parcerias são possíveis, mas um grupo, não). Resumo da ópera: fiquei muito triste. Ninguém tinha obrigação de me convidar também, até porque o meu desenho na época era mesmo podre, mas ainda assim eu fiquei magoada. Mas até episódios como esse não foram capazes de derrubar minha vontade. Passei por muitos altos e baixos depois dessa história. Aprendi muito e doei meu tempo, meu espírito e meu sangue pra minha arte. Cheguei em um ponto onde decidi que desenharia bem e treinei com afinco. Dei mais do que o melhor de mim, dei tudo de mim. Mas sei que posso me doar mais. A gente sempre pode se doar um pouco mais.

Ser você mesmo, na minha concepção é antes de mais nada, ser sincero com seus sentimentos. Eu queria desenhar, eu queria fazer mangá e seria necessário uma força bíblica para me impedir. Eu amava o que fazia, eu amava o processo por completo e mesmo quando a insegurança insistia em bater na porta (seja por comentários depreciativos, por paranóias pessoais ou por indiferença de algumas pessoas próximas) ela dava de cara com a minha amiga determinação e dava meia volta. Maior do qualquer coisa é a minha vontade de desenhar. Um longo caminho ainda me espera nessa queda de braço. Conquistar um espaço e respeito ainda é uma luta pra mim. Meu jeito tímido e minha confiança frágil ainda me rendem muita dor de cabeça. É sempre mais fácil acreditar que as pessoas não gostam de mim e nem do meu desenho, do que tentar entender que não é necessário agradar a todos para ter sucesso. Lições que são sempre aprendidas com tentaiva e erro, tentativa e acerto, tentativa e recomeço. Como a vida costuma ser para aqueles que tentam vivê-la, certo?

Dedicação e esforço faz um artista, seja ele músico, pintor, ator ou o que for. Sei que minha vida, se seguir o rumo que desejo para ela, será de eterna dedicação e esforço. Sempre desenhando e me aperfeiçoando. Talvez, pra quem vê de fora, é estranho alguém dedicar tanto do seu tempo em uma mesa de desenho, tentando dominar uma caneta nanquim ou pesquisando novas narrativas e referências, mas acredito que quem tem um sonho ou uma meta, deve compreender. Desenhar pra mim deixou de ser um hobby, quando eu percebi que não conseguiria ser eu mesma em nenhuma outra coisa no mundo, do que sou diante de uma folha em branco. Nesse momento eu sou Tabby Kink, eu sou Roberta, eu sou livre.