sábado, 6 de dezembro de 2014

Falando de concursos de desenho e mangás no Brasil

Apenas esta semana eu fiquei sabendo que editora JBC publicou uma revista com as histórias dos vencedores do BMA, Brazilian Manga Awards (porque acho que não tinha um nome pior). Dei uma passada no site do concurso e vi os nomes dos vencedores. Nem isso eu sabia. No Facebook eu vi algumas páginas de cada história, mas só. Aqui na minha cidade nem os mangás regulares chegam, imagina coisas assim. Talvez quando eu for a algum evento eu compre um exemplar para poder ler. Por essa razão eu não farei uma crítica aos mangás dos vencedores (não seria justo com a pouca informação que eu tenho), mas gostaria de dizer alguma coisa sobre os concursos de mangás. Disso sim eu posso falar.

Parabéns aos vencedores do BMA

Eu já participei de alguns concursos de desenho e de mangás. Nunca ganhei nada! Mas já fiquei revoltada com alguns resultados. É comum a gente achar que nosso material estava melhor que o de fulaninho, ainda mais quando somos jovens, amadores e iludidos (como era o meu caso na época que participei). A gente acaba destrinchando o material vencedor, catando cada errinho (que supostamente não cometemos) e nos perguntando qual motivo, razão ou circunstância aquele chegou lá e o meu não. No fim das contas resta apenas a frustração e o sentimento de injustiça. Mas tirando dessa equação o ego e a ilusão, eu acho que concursos podem ser muito injustos sim. E acho que vale a pena refletir sobre algumas questões aqui:

Critério de avaliação:

Eu dei uma lida no edital do BMA (que usaremos de exemplo, mas os concursos de mangás e desenho costumam ser assim) e o mais próximo a um critério de avaliação foi isso:

6.7. As histórias poderão ser de humor, ação, aventura, mistério, entre outras, sendo vetadas histórias com teor impróprio para o público-alvo, a exclusivo critério da JB2S. Mangás com sexo explícito, violência extrema ou apologia ao uso de drogas não serão permitidos.
6.8. Os critérios utilizados para a pré-seleção dos trabalhos apresentados serão: adequação ao público-alvo (entre 15 e 25 anos de idade), originalidade e atratividade dos personagens e do roteiro e qualidades técnicas e artísticas da obra.
Em resumo: qualquer tipo de trama, com roteiro original e bom desenho. Isso, para mim, é bem vago. Mas obviamente que nenhum concurso de desenho ou quadrinho vai ser mais específico do que isso, certo? Infelizmente não, mas deveria. Se nós levarmos em conta a linha editorial da JBC e alguns comentários que já foram feitos por editores de lá, fica claro que determinadas histórias já entrariam com desvantagem na competição. Estou falando de shoujo, romance, BL e qualquer coisa que fuja da linha shonen + lutas. Pelo que vi de relance das páginas da revista, pelo menos três histórias das cinco vencedoras tinham cenas de luta. Isso é errado? Não pode ter lutas ou ação? CLARO QUE PODE! A JBC ou qualquer outra editora que faça um concurso tem o direito de escolher o que melhor lhe convém, mas obviamente que quem não está nessa linha ia ter desvantagem. Seria muito melhor se logo de cara fosse dito um critério de avaliação mais específico: histórias de ação e/ou aventura que seguissem mais a linha da Shonen Jump. Ia ter gente chiando? Claro! Mas pelo menos ninguém que faz shoujo ou josei ou BL ia perder seu tempo apostando no concurso, concordam?



E quanto à arte, também costuma ser vago em qualquer concurso, apenas falando em estilo mangá. Só que mangá tem zilhões de tipos de traços e estilos! Acredito que o que difere o mangá de outros quadrinhos está mais na narrativa que no desenho (mas essa é minha opinião). O que é levado em consideração? A melhor arte ou a mais original? Influências todos nós temos (eu nunca neguei as minhas), mas em todo concurso aparecem pessoas que apresentam traços que são quase xerox de algum artista famoso. Por melhor que ela seja em termos de técnica, será que uma arte mais original não levaria vantagem? Como os critérios nos concursos são vagos fica complicado entender a cabeça dos jurados na hora que sai o resultado.  

Premiação: 

Tem gente que acha errado premiar concurso com dinheiro. Eu não acho. Uma vez participei de um concurso de uma editora espanhola e além de publicarem o material vencedor (encadernado fechado), a pessoa ganhava uma quantia em euros. Eu sei que muita gente ainda acha que divulgação enche barriga, mas é dinheiro que enche de verdade. Você tem um gasto com papel, com luz (usando o computador), com dedicação do seu tempo e acho que uma quantia em dinheiro é sim muito válida. Eu posso estar enganada, mas não me lembro de concursos de desenho ou mangá no Brasil que tinha prêmio em dinheiro ou outra coisa qualquer que não a “divulgação” e isso só me mostra o quanto estamos valorizando pouco os artistas. Não sei o que o BMA irá gerar daqui pra frente, mas acho difícil que as histórias vencedoras venham a ganhar espaço na editora, que sejam publicadas como os mangás japoneses ou coisa do tipo. Seria interessante se a JBC investisse nos artistas vencedores, dando espaço a eles. Uma forma de dar ao BMA mais que um momento do ano, mas consequências reais pra quem venceu.


Como eu sinto que infelizmente estou sonhando acordada com a ideia de que histórias vencedoras de concursos terão sobrevida em revistas da editora, me pergunto qual a razão de concursos assim? O tal que citei da Espanha publicava em um volume fechado toda a história do vencedor. Uma das artistas que ganhou uma das edições acabou publicando outras histórias depois. Sinto que esse tinha mais sentido, pois realmente investia no talento de alguém. Não seria interessante que ao invés de concursos acontecessem avaliações regulares de materiais para publicação, como é na Ribon, por exemplo? “Mas publicação onde, Tabby? Nem existe revista para publicar material nacional!”. Pois é. Acho que é essa a grande questão. Prêmio do vencedor é divulgação. Mas divulgar meu nome para eu conseguir publicar no exterior? Para eu ganhar mais seguidores no Facebook? Para que outra editora aposte em mim? Divulgação pra quê? Pra onde?

Acho que o BMA é válido, assim como concursos de qualquer outra editora, para quem não irá se importar muito com o que vai sair disso. Pra quem quer divulgar seu nome e ter a satisfação de ganhar, mesmo que isso não renda muita coisa além de algum lucro para a editora que publicar o material vencedor. Mas acho que para quem quer ver o trabalho brasileiro crescer, ser valorizado, ir além do eterno “sentimento fanzine”, de quem sabe um dia ter um mercado mais sólido, acho que o sentimento de frustração e injustiça nunca passa. Participando ou não.